Morro dos Perdidos
Sabe aquele desespero que começa a bater quando um feriado se aproxima do fim? É a "síndrome da véspera da realidade", algo como um saudosismo do que nem passou - chega de repente e você começa a se sentir meio quarta-feira-de-cinzas, meio fim-de-horário-de-verão... Pois é, passa o carnaval e todo mundo fica assim, inclusive nós. Mas a gente conhece um jeito de espantar esse mal: viagem, vamos pedalar!
Procurando algo leve e breve, entre nossos projetos encontramos o Morro dos Perdidos. Além de trajeto novo para o odois, BR376 sentido sul, a viagem merecia destaque pelas anunciadas belezas naturais do local. E realmente não decepcionou: três dias muito bem aproveitados, repletos de adrenalina e meditação contemplativa - se é que dá pra conciliar isso. Tudo perdidamente divertido, como é típico do grupo, apesar da ausência do Du e do Cheps - que prometeram comparecer no segundo dia. Mentira deles, nem foram.
- O Morro dos Perdidos
- Com mais de 1.500m de altitude, o morro dos perdidos é um dos pontos mais altos da serra do mar nas proximidades da divisa Paraná / Santa Catarina. Do cume é possível avistar ao norte a represa da Vossoroca e Curitiba, bem como parte do litoral paranaense. Ao leste observa-se a baía de Guaratuba e, ao sul, Joinville e a baía da badalada São Francisco. O acesso ao topo é feito por 5,6km de estrada de saibro, um pouco severa mas acessível mesmo a veiculos de passeio. A subida íngreme requer alguma disposição extra de quem pretende caminhar ou pedalar.
- O morro fica na fazenda Arca de Noé, propriedade que abriga também belas cachoeiras merecedoras de especial atenção. O dono, Sr. João Maria, (41) 9194-6180, cobra apenas uma taxa simbólica para visitação e acampamento. E, enquanto você sobe morro e toma banho de cachoeira, o cunhado e as crianças podem se divertir no pesque-pague e no riacho ;)
Acesso: Saia de Curitiba para Garuva pela BR376. Após a represa da Vossoroca as pistas de ida/volta da BR se afastam para depois se encontrar. Cerca de 2,5km depois da junção das pistas fica a entrada para o morro: uma discreta estradinha de terra, pouco depois da divisa Tijucas do Sul/Guaratuba, mas ainda antes do segundo posto policial da BR.
Certos da leveza da viagem, almejando regressar apenas na terça-feira, partimos sossegados mesmo transcorrida metade da manhã de domingo. Mas, nesta primeira viagem sem participação do du navegador, não deixamos a desorientação espacial por menos: dos 50 km previstos pedalamos quase 70... E assim comprovamos a teoria da relatividade: pedalar 70km almejando 50 cansa muito mais, mas muito mais mesmo, do que pedalar 90km prevendo 100. O fim nunca chega!
Poucas paradas na primeira passagem do odois pela BR376, no meio da tarde estavamos proseando com o Sr. João e negociando a estadia na fazenda Arca de Noé. Decidimos pousar em uma pequena (pequena mesmo) choupana próxima às cachoeiras - mais 1,7km de subida empurrando a bicicleta carregada, ufa! Colocamos a barraca montada e as bikes dentro da cabana (como coube?) e, como havia tempo, trilhamos às cachoeiras. Encantados e um pouco molhados (o thi não entrou na água), voltamos à choupana-base prometendo concluir todo circuito de quedas (d'água, de preferência) no dia seguinte. Ensaiamos culinária cicloturística e, invariavelmente, dormimos cedo para encarar o morro dos perdidos no dia seguinte.
Dormir em barraca é sempre uma experiência única e dolorosa, consenso matinal. Acordamos em meio às nuvens, literalmente, e logo partimos rumo ao topo do morro dos perdidos - caminhando, pois achávamos improvável subir de bicicleta.
Depois de muito andar, sempre apostando (e perdendo) que o topo estaria logo à frente, nós, er, nós... nós continuamos andando. Passamos por trechos onde a estrada foi talhada nas rochas e, depois de andar mais um pouquinho, atingimos o topo do morro meio perdidos. Pudemos observar, quando as nuvens se distraíam, boa parte da vista maravilhosa que se pode ter, embora meio nublada. Um ótimo cenário para sentar e ficar observando a majestosa obra da qual normalmente nem nos conscientizamos de que fazemos parte.
Filosofadas à parte, as fotos revelam mais do que qualquer descrição - embora nada se compare a vivenciar isto lá de cima... E em meio à paz absoluta, inesperadamente, eis que surge uma toyota (daquelas caminhonetes antigonas mesmo) ali, no topo do morro dos perdidos, onde nós achávamos que nem caminhando era fácil... Conversamos com o simpático senhor que estava por ali a aproveitar a vasta área de visão para cuidar de seu gado espalhado por terras arrendadas. Este encontro abriu-nos a mente para algo muito importante: era possível chegar lá de bicicleta.
Voltamos um pouco frustrados com a constante névoa e, após o almoço, tomamos novamente o rumo das cachoeiras. Agora com a câmera, estávamos dispostos a ir até onde nos fosse possível. O resultado você vê nas fotos. Banho de descarrego na água gelada (menos o thi, denovo), hora de voltar, filosofar, quase surtar e dormir.

um morro, perdido, cheio de trilhas tipo quero-pedalar-ali!

ainda antes do topo, vista panorâmica de por-donde-viemos

próxima ao topo, a estrada esculpida na pedra

habitante pouco amistosa das alturas perdidas

o prenúncio do momento em que mais uma nuvem nos engoliria

sentadinhos nas alturas, esperando o tempo abrir

a natureza retomando seu lugar na base da torre de transmissão

nosso caminho ao centro, enquanto acima o tempo fecha

saliências próximas ao topo, ótimos mirantes para contemplação

lulis pensando: geeente, eu andei tudo isso? que pequeno daqui.

odois (ou três) no alto da montanha, tudo muito nebuloso

o coeficiente angular da estrada era realmente elevado

mais uma pequena flor fotogênica

é, agora que a gente desceu o sol aparece...

a queda lateral, menos representativa, da primeira cachoeira

a primeira queda (olhe o thi ali em baixo)

hum, eh, a primeira queda, agora completa

escada bem propícia para, talvez, a segunda queda

odois (dois mesmo) na segunda (ou terceira?) queda

vista ampla a partir do alto da primeira cachoeira

uma piscina natural na queda, queda, é, ahn, perdi a conta!

a dança das águas no leito rochoso do rio

não dá vontade de sentar e escorregar?

droga, não deu tempo!

a última queda, acima apenas o rio calmo, preparando-se para diversão

eeee, diversão! (passa aqui pra ver a pancada, ê!)

o que se pode dizer de uma capricho da natureza como este?

ei, quem botou essa pedra no meu caminho?

uma senhora queda...

se a vista do topo do morro não foi nítida, daqui não se tem o que dizer
Amanheceu nublado (novidade), mas a esperança de melhores frestas entre as nuvens incentivou uma segunda subida ao topo. Descarregadas as bikes, o lulis e o thi subiram novamente o morro dos caminhos impedaláveis - empurrando-as.
As nuvens deram uma trégua parcial e pudemos ver alguns limites além dos observados no dia anterior. Percebemos que a BR376 contorna - sim, contorna! - o morro dos perdidos, perfazendo algumas voltas para fugir do gigante que encontrava-se sob nossos pés (e pneus!). Olhando com atenção concluímos que, realmente, não havíamos atingido a descida pesada da serra que conduz à Santa Catarina.
Apesar de não cansarmos de observar a magnífica vista, retornamos. E montados! Claro, com muita cautela e truques para baixar o centro de gravidade da bicicleta - não seria legal uma capotagem frontal... Mesmo assim o lulis conseguiu cair, depois de passar por todos os trechos de maior perigo, ao lado - cerca de dois metros - do nosso abrigo. Sem isso a viagem não estaria completa...
Iniciamos o retorno para Curitiba um pouco tarde, evitando os horários de pico do sol. Tanto evitamos que a chuva caiu forte em alguns momentos. Em um posto, abrigando-nos da chuva, conhecemos uma figura singular que batizamos de "antonio conselheiro". Em uma barra-circular com dois bagageiros empilhados, contava-nos que vinha do noroeste do Rio Grande do Sul à caminho da casa da filha, em Jaguariaiva. Depois de ouvir muitos conselhos sobre onde é possível pedalar nas rodovias da região sul do país, seguimos pensando na simplicidade e coragem do andarilho - ou seria um pedalarilho?
O encerramento foi enfeitado pelo estouro e remendo improvisado da câmera - e do pneu - do lulis, já em Curitiba. Só pra não encerrar a viagem sem nenhum furo. A chegada na casa do thi foi comemorada com ânimo: todos animados para dormir em suas próprias camas, mas isentos de qualquer vestígio daquela "síndrome da véspera da realidade".

última parada - e última chance de desisitir - antes do topo

a oeste, o único morro à altura do morro dos perdidos

a baía de guaratuba - tira a foto antes que a nuvem chegue!

odois perdidos no alto do morro - e de bike!

no fundo, bem no fundo, a baía de são chico

a BR376 contornando o morro dos perdidos - e mais nuvem!

parte concretada da estrada considerada, inicialmente, impedalável

esse tipo de pista é que nos faz pedalar

esse tipo de vista é que nos faz continuar pedalando
Expediente #
projeto e ausência por Du, texto e fotos por Lulis.
Pedalado por lulis, thiago, arce.
Publicado em 3 jun 2005.