Circuito das Araucárias
Tu conhece o Telles e a Eliana? Não? Pessoalmente, nem nós. Mas tu deve conhecer o trabalho deles. Circuito Vale Europeu, sabe? Foram eles. Se não conhece, conheça, vá por nós. Agora, indo por eles, não tem como se arrepender. São os verdadeiros arquitetos da roteirização-cicloturística-autônoma-brasileira, com obras primas que reúnem experiência, conselhos (de pedalada e municipais) e belos rincões.
Se for pra falar de lugar bonito, a região serrana no nordeste catarinense tem coisa que não acaba mais. E ali se reuniram, mais uma vez, os elementos necessários para mais um excelente circuito oficial de cicloturismo: o Circuito das Araucárias.
- Circuito das Araucárias
- O Circuito das Araucárias é um dos principais roteiros oficiais de cicloturismo autoguiado estabelecidos no Brasil. Partindo de São Bento do Sul, o trajeto percorre caminhos rurais por Corupá, Rio Negrinho e Campo Alegre. Esbanja atrativos naturais, históricos e culturais beirando a bela região serrana de Santa Catarina.
- O circuito está dividido em 8 trechos que podem ser agrupados de acordo com o ritmo desejado e o tempo disponível. Além deles, algumas extensões são sugeridas, como a rota das cachoeiras e os campos do quiriri. Você pode percorrer o circuito de forma autônoma, seguindo os mapas e sinalizações por conta própria, do jeitinho que a gente gosta. Se preferir suporte profissional, há guias e agências habilitados.
- Inaugurado em junho de 2012, o projeto é uma iniciativa do Consórcio Intermunicipal do Quiriri com a chancela dos excelentes roteiristas Telles & Eliana do Clube de Cicloturismo do Brasil. Todas as informações para percorrer o circuito, organizadas primorosamente, você encontra no site oficial do Circuito das Araucárias. Lá você também encontra a opção de roteiro para caminhantes.
Se você entrou aqui para seguir mesmo mesmo mesmo o circuito oficial, palmo a palmo, empurra-bike a empurra-bike, é melhor você se orientar pelo guia oficial. Por outro lado, se você entrou para rir com o perrengue alheio, ver o cheps vestido de guia de safári, descobrir como curto-circuitar uma expedição, julgar fuga ao tema na redação e, talvez, até aprender alguma coisa sobre a região, siga conosco.
- Mas, afinal: cês fizéro ou num fizéro o dito circuito?
Estatisticamente, percorremos alguns porcento dos 8 trechos do circuito oficial. Aos pedaços, do contra, de revesgueio. Mas há uma explicação: a gente gosta é muito de pedalar nessa região, há tempos. Atenção ao levantamento do nosso DEDDO :
- Circuitando as Araucárias com o odois
- Nesta expedição conhecemos os trechos oficiais 8 e 7, mais boa parte dos 6 e 4. Se quiser completar os selinhos do circuito, os nossos Campos do Quiriri viajam fatiando os trechos 6 e 5. Já a serrana Rio Manso e Rio Natal permeia os trechos 4 e 3. A longínqua Corupá molha boa parte do trecho 2, assim como a faceira Estrada Saraiva faz com o trecho 1. Praticamente o circuito todo, de-trás-pra-frente. Tão, mas tão de-trás-pra-frente, que algumas dessas viagens
no tempoantecedem a criação do circuito. Isso tudo sem esquecer que literalmente cruzamos ele a caminho do inesquecível (e também oficial) Vale Europeu.
Fonte: DEDDO - Departamento Estatístico de Dados Desnecessários do odois.
Parece que esse texto tá andando em círculos? Então vamos pedalar, que a gente ganha mais: mais ânimo, mais paz, mais paisagem e mais subida (bem mais subida). É bom ir se acostumando, isso é coisa do Telles & Eliana route grid design morro e não vejo o fim da subida do morro.
Disclaimer: Esta obra foi gravada antes de 2020. Contém cenas explícitas de liberdade microbiológica.
Começamos pelo trecho de Rio Negrinho, o mais desconhecido por nós. O mais inóspito do circuito, também. Tanto que o roteiro original tem até sugestão de desvio em caso de mau tempo, calcule. Se já não fosse um bom indicativo de dificuldade... Tu conhece o Mildo?
"O trecho ali de Rio Negrinho é
affffdiversão garantida."Mildo, aquele que já tinha percorrildo esse circuilto.
Subestimando os sinais, escondemos o carro em São Bento do Sul e partimos viçosos para Rio Negrinho. Pedalando ao contrário pelo circuito, consumindo relevantes serrinhas ainda dentro da cidade. Isso mesmo, já no centro (a cidade merecia faixa adicional para veículos lentos até no calçadão, de tanto morro). Seguindo pelo distrito industrial, logo entendemos a afinidade do pessoal do Clube de Cicloturismo do Brasil pelo lugar.
- Impiedosos Eliana & Telles, por que optasteis vós por esta rota? Pela incontestável simbiose com os altos e baixos da existência humana? Por pura e descarada pilhéria cavaleiresca? Ou ambos juntos e shallow now?
Já caía a tarde quando iniciamos o trecho mais crítico (previsto para manhã). Apesar do empurra-bike, foram os quilômetros com paisagens mais ímpares da expedição. Para um bom apreciador do Vale Europeu, seria análogo à parte alta do circuito. Só que aqui é a parte alta-baixa-alta-baixa. Falando em alta, assim também estava o medo de ficar preso por ali em caso de chuvas (na dúvida, falar com o Mildo).
Bem diferente do planejado, desmontamo-nos em Rio Negrinho já no fim da tarde. Se tem uma coisa complicada no vocabulário cicloturístico é tentar combinar as palavras camping e cidade no mesmo pouso. Lançamos mão da Refrilosofia Vaga e da Empatia do Salame para lograr êxito. E olha, dessa vez tivemos muita, muita sorte. Uma grande cabana de festas estava logo ali, 3 longos km à frente, no meio rural, exatamente na direção da continuidade do roteiro. Só que sem as festas.
- Editor: Se você escrever uma nota sobre a empatia do salame te dou um queijo!
- Ainda o Editor, fingindo ser o autor, com ímpeto da descontração: Que fria!
- Empatia do Salame
- A importância da boa escuta, da comunicação sem ruídos, da clareza, da exposição da vulnerabilidade, do espaço de fala, são tópicos cada vez mais explorados para melhoria das relações humanas. Contudo, a aplicação desses entendimentos precisa estar alinhada e emoldurada no meio, no locus onde se dão as relações. E se há um meio que é muito, muito comum para o diálogo, é a típica mercearia embotecada onde se encontram um indivíduo de um lado, outro de outro e, entremeando-os, suspensas descuidadosamente, uma ou mais pernas de salame.
- Desde que o porco é porco a Empatia do Salame já existe. Para evitar reprovação por fuga ao tema, iremos nos limitar a tratar no escopo expedicionário.
- Você viaja de bicicleta, é um forasteiro. Cada fim de tarde precisa pertencer a uma nova comunidade, estreitar relações, criar raízes e, principalmente, achar um lugar pra dormir. Como você irá criar esses vínculos? Como? Vem conosco, vem, vencedor!
- Isso mesmo, com a Empatia do Salame. (Eye of the Tiger tocando ao fundo)
- Sim, mais de uma vez fomos salvos por ela (pela empatia, não pela música). Não pelo salame, porque a gente pede mesmo é refrigerante vagabundo depois da prosa com interlocutor local. Mas é que o salame, ele sim, está sempre ali. É o indicador. Você parou num comércio (de preferência sem placa); começou uma conversa com um local; tem um balcão; tem um salame pendurado; é batata (é salame): é o melhor espaço para um diálogo sobre onde será possível acampar; ou acantonar; ou alugar um quarto; ou dormir ao relento; ou mesmo ser avisado de que é melhor sumir dali.
Aviso Legal: Não tente recriar o cenário da Empatia do Salame na sua casa. Não vai funcionar. E não fica legal.
- Editor: Ah, gostei mais de Quem mexeu no meu Queijo.
Exaustos, porém secos e bem abrigados. Uma grande vitória em um dia de tanto prejuízo quilométrico. Restava saber se conseguiríamos compensar (o cansaço e os quilômetros) nos dias vindouros.
A sortuda noite no ranchinho de festas só que sem as festas reativou os ânimos. Ainda que pedalando ao contrário, percorreríamos os trechos 7 e metade do 6. O relevo ainda prometia muitas surpresas, mas o importante mesmo é que não estava chovendo. Ainda.
Falando em sorte, foi colocar o pneu pra fora do rancho que começaram novamente as pirambeiras, rio acima e rio abaixo. Ficou mais do que muito claro que, se optássemos por seguir mais um pouco no dia anterior, não teríamos seguido muito mais do que um mísero quilômetro antes de desistir. Foi apenas por volta do 12h que vencemos os singelos porém ondulados 30km que contornam o norte de São Bento do Sul. Para compensar o esforço, a paisagem seguia muito agradável e nós seguíamos aproveitando um monte (vários montes, afinal, empurrávamos bicicletas).
O trecho seguinte finalmente deu um alívio. No caminho para o Salto do Engenho, nos confins de Campo Alegre, acompanhamos o Rio Bonito sem muitas barrocas surpresas. Sem muitas até cair o primeiro pingo. E não era splash do memorável Salto. Na dúvida, montamos o circo do almoço tardio sob um telhado alheio. Vai que passa?
- Passa. Passa do estado seco para o molhado.
Tivemos duas tréguas com a água que vinha do céu. Uma para desocupar o abrigo e montar o humidamento acampamento às margens do rio; outra para sapecar um pinhão, num fogueira braseiro milagroso que o corajoso e ígneo João providenciou. A chuva desprovidenciou em seguida.
- Torrefação de pinhão com ignição de grimpa conta como fogueira?
- Não. Conta como torrefação de pinhão com ignição de grimpa.
Amanheceu com chuva no camping. Como diriam os antigos:
"Chuva no camping ao amanhecer, um dia de diversão irá desfavorecer
estraga planejamento a barraca fica toda molhada as roupas também não vai dar pra tomar café a estrada puro um lamaçal corre devagar senão atola."Pato com voz de pato (Anônimo)
Voltamos ao telhado alheio carregando o camping encharcado. Entremeios, chega ao nosso singelo programa nosso lendário bom velhinho pedalador catarinense, Mr. Heil. De carro, com a família. Sempre de olho nas tendências, lançou mão de uma arguta terceirização e trouxe a filha Thaís para pedalar conosco o trecho. Mas acompanhando, sim, seco de carro (de bobo ele não tem nada, hã?!).
À essa altitude, umidade e pressão, revisitamos o plano. Com equipamentos molhados e tempo contado, curto-circuitamos o roteiro. Fizemos uma ligação direta que expeliu os trechos 1, 2, 3 e 6½.
- Tão cês nem fizéro o circuito, então.
Tu conhece o DEDDO ? Ele fez um levantamento lá no começo da estória. No fim das contas não perdemos muito, os trechos cuidadosamente cortados eram velhos conhecidos de expedições passadas. Não ficou mágoa, mas os olhos ficaram molhados (persistente, a garoa).
Bateu a fome às 13h, comércio da localidade de Rio Vermelho dominicalmente fechado e garoa comendo solta. Decidimos fazer um grande almoço em família na estação de trem abandonada. Refeição no chão, com fogareiro, sem cozinha, sem torneira, misturando todo provisionamento alimentar excedente. O Mister se viu obrigado a traumatizar apresentar os nossos hábitos culinários para os familiares, partilhando a típica e peculiar hospitalidade ciclística volante.
"Humnnn! Nham nham nham nham nham, que delícia!"
Cheps, recorrentemente irônico.
No urgir da volta molhada, cingimos memoráveis pirambeiras até o desmonte do aparato ciclo-viajeiro. Encerramos a aventura ciclocircuiturística com uma alegre constatação: a habilidade do duo Eliana & Telles em delinear árduos caminhos de rara beleza por inóspitos rincões é admirável, artística, ímpar. Distorcemos a cuidadosa proposta original do circuito, é verdade. Percorremos pedaços invertidos e reinventados, tanto espacial quanto temporalmente. Não que haja nisso algum problema. Afinal, roteiros são um pouco como a própria vida: complexa, transitória, cheia de surpresas e desvios. Cada caminho percorrido é único e precioso.
Serviços #
Roteiro oficial: Circuito das Araucárias
Chácara particular. Elisa (047)9198-7618. R. Alberto José Trouche, s/n - Rio Negrinho - SC.
Expediente #
Roteiro adaptado por Du, texto por Du e Lulis, imagens por Lulis, logísticas enxutas por João e Heil.
Pedalado por du, lulis, cheps, joão, thaís.
Publicado em 21 jan 2021.