Cachoeira Panagro
Há pedais que são como visita ao terapeuta. Até 10 minutos antes de começar você acha que planejou o que vai acontecer. No fim, a ocasião e a incerteza têm mais espaço do que qualquer crença. Este é um deles.
- Você precisa se
benzertratar, cara.
A dica é rude mas resume bem o pedal. O objetivo era chegar à Cachoeira Panagro, uma bela queda d'água em São José dos Pinhais. Mas o que chamou mesmo atenção foi o sincretismo religioso e as terapias alternativas. E os sincretismos alternativos.
Na saída, ao cruzar uma grande procissão (não ciclística), nos apercebemos em pleno feriado de Nossa Senhora Aparecida. Com a total crença e fé no caminho escolhido pelo próprio GPS, em pouco tempo estávamos completamente atolados num lamaçal decorrente das obras na barragem do Rio Miringuava.
O banho (de lama) só foi terapia para as bicicletas. Precisaram de uma imersão em um pequeno lago para que pudessem, renovadas, novamente apresentar condições de uso.
Crentes na retomada da rota para a cachoeira, em pouco tempo estávamos percorrendo um calçamento, em uma área sem cercas, muito bem conservada. O que nos colocou novamente em cheque sobre uma questão existencial ciclística recorrente:
- Estamos dentro ou fora de alguma propriedade?
- Se nem entramos, como estamos dentro?
- Se alguém nos apanhar, viemos por dentro ou por fora?
- E na hora de sair, iremos para dentro ou para fora?
Pausa para recordar uma grande poesia do cancioneiro popular brasileiro:
"Se tô dentro, não tô fora / Se tô fora, não tô dentro / Se tô fora, não tô dentro / Se tô dentro, dentro eu vou ficar."
Waguinho
Em pouco tempo, descobrimos que estávamos dentro da Vinícola Araucária. Mesmo sem ter entrado. No meio do caminho, uma cachoeira. Inesperada, ao contrário do objetivo do dia, mas de grande beleza.
Saímos, sem mesmo ter entrado. Agora sim, faltava pouco para o objetivo. Não sem antes cruzar mais uma procissão, esta sim de proporções coloniais nunca antes vistas. Cavalos, camionetes, caminhões, tratores e pessoas, muitas delas. Em alguns casos tivemos que aguardar a passagem, como o de um jovem tratorista a dar zerinhos (sim, agronômico leitor, com o trator).
Chegamos ao acesso da cachoeira. Na margem da estrada, uma espécie de acampamento rústico em construção. Seria um almoço, uma terapia alternativa ou mais uma manifestação religiosa?
- local: Onde vão com as bicicletas?
- odois: Visitar a Cachoeira da Panagro. É logo à frente, não?
- Sim. Aproveitem, pois será a última vez. Vamos fechar aqui.
- Fechar? Mas fechar pra quê, exatamente?
- Aqui será o Centro Espírita União do Vegetal. Toda essa área de entrada é nossa, não vai ter mais acesso.
Em nosso circunscrito conhecimento sincrético, não soubemos muito bem delimitar a categoria da união. Certo é que tivemos a chance de conhecer (a cachoeira) antes da interdição do acesso.
Adequando a redação à temática do site, pretéritos leitores, podemos dizer que a trilha da cachoeira era curta e fechada, mas merecedora da visita. A água, vindo de áreas não habitadas da serra, era muito limpa. O poço tinha extensão e profundidade para um banho reconfortante. Talvez uma hidroterapia. Quem sabe, até mesmo um batismo.
E encerramos assim, crentes na satisfação deste precioso roteiro ornamentado de valiosos imprevistos. Sincretismos à parte, pedalar é sempre uma terapia.