Vale Europeu
Atendendo aos milhares de pedidos e recomendações (agradecemos sinceramente todas manifestações recebidas por e-mail, carta, SMS, telegrama, telemensagem, teleatendimento, teletransporte, teletubbies, flores por helicóptero, panelaço, puxãozinho de orelha, bilhete pra mãe, tatuagem na nuca, psicografia e correção de monografia), finalmente o odois conseguiu juntar coragem e tempo (e vergonha na cara, também) para percorrer os 300 km do primeiro circuito oficial de cicloturismo do Brasil.
- Circuito Vale Europeu
- Projeto de cicloturismo pioneiro no Brasil, o circuito é composto de 7 roteiros, num total de 300km, propostos para realização em 7 dias. O percurso é dividido em parte baixa (de Timbó a Rodeio, relativamente leve, recomendada aos iniciantes) e parte alta (com relevo acentuado, exigindo bom preparo físico). Os trajetos fogem do asfalto, priorizando as estradas de terra, mais bonitas e tranqüilas. A beleza das paisagens naturais e das construções, assim como a amistosidade cativante da população, é carregada de fortes traços da imigração alemã e italiana.
- Concebido e mantido pela Associação Vale das Águas, convênio entre as prefeituras dos municípios da região, o circuito tem início e término na cidade de Timbó-SC, a cerca de 30km de Blumenau. A infraestrutura de apoio ao cicloturista é exemplar, desde as informações disponibilizadas em material impresso e digital até a relação escolhida de diversos (e diversificados) estabelecimentos parceiros. No centro de informações em Timbó o cicloturista recebe material impresso e o passaporte que, se devidamente carimbado pelo trajeto, dá direito a um certificado na conclusão do circuito.
Fonte: site oficial do Circuito Vale Europeu e Clube de Cicloturismo do Brasil.
Se você ainda está boiando, entenda: estamos falando do circuito mais bem quisto, mais desejado, mais vangloriado, mais mais mais tudo mesmo, a verdadeira primazia do cicloturismo nacional. Depositado cuidadosamente nos confins serranos de Santa Catarina (leiam-se aqui trombetas soando), repousa ele: o Circuito Vale Europeu de Cicloturismo. Sim, ele repousa - embora não se possa dizer o mesmo dos cicloturistas que decidem enfrentá-lo...
Para agravar a situação (e aguçar a emoção), cumprimos o comprido planejamento seguindo à risca cada placa e cada curva da planilha do circuito, saindo cedinho e chegando "a las tantas de la noche", estendendo "só um pouquinho" o trajeto nas pontas... Mas, tá: vamos poupar-se-me-nos, caro leitor, de rodeios (até porque nosso negócio é bicicleta, não tem cavalo - e o que tiver de Rodeio vai ficar lá para o 3º dia), e vamos seguir logo para o primeiro dia - até porque falta MUITO (mas, ah, falta mesmo) para chegar ao oitavo...
Capítulos
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1Curitiba até Corupá 1 dia 149 kmDIA 1 curitiba, agudos do sul, são bento do sul, corupá
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2Iniciando o circuito pelo meio 1 dia 123 kmDIA 2 corupá, jaraguá do sul, pomerode, indaial, blumenau
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3Soltando as tiras 1 dia 75 kmDIA 3 blumenau, indaial, rodeio, benedito novo, cachoeira do zinco
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4Cachoeira do Zinco e Benedito Novo 1 dia 41 kmDIA 4 cachoeira do zinco, doutor pedrinho, cachoeira véu de noiva
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5Cachoeira Véu de Noiva, Alto Cedro e Palmeiras 1 dia 68 kmDIA 5 cachoeira véu da noiva, alto cedro, palmeiras
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6Timbó 1 dia 53 kmDIA 6 palmeiras, benedito novo, timbó
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7Rota Enxaimel e saída do Circuito 1 dia 140 kmDIA 7 timbó, rio dos cedros, rota enxaimel, pomerode, massaranduba, guaramirim, pirabeiraba
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8Sobe 1 dia 106 kmDIA 8 pirabeiraba, curitiba
Início de viagem tem que ser assim: animado, cheio de alegria, e com uma quilometragem lazarenta... É. Tem que ser assim (nós somos conservadores neste ponto). Segundo a programação, teríamos que fazer exatamente o primeiro dia da viagem de Corupá. Afinal, se foi possível uma vez, porque não outra?
Fortes emoções nos aguardavam, principalmente para o Lulis (por enquanto, unte o assunto e reserve). Um pouco antes da chegada em Agudos do Sul, uma exótica fila de veículos nos chamou muita atenção. Veículos desligados, gente sentada batendo papo no acostamento... Boa coisa não havia de ser. E não deu outra. Alguns quilômetros à frente, alguns pneus queimados e algum alvoroço da população que fazia uma manifestação contra a violência local.
Cena 1: diálogo (ou multiálogo) na manifestação
- Ciclistas Pacíficos: Olá, pessoal, poxa, a gente já ta pedalando desde cedo, mais de 70 km, temos que chegar em Corupá ainda hoje, por favor, entendemos o movimento, realmente é complicado isso de trânsito, mas a nossa situação é um pouco mais delicada, e vocês sabem, a gente também é vítima, gente inofensiva...
- Manifestantes Homens: Tá certo, orra, vieram desde Curitiba, capaz!, podem passar sim, claro, tudo bem.
- Manifestantes Mulheres: De jeito nenhum, o picote é para todos, não vão passar não, se não passa moto, não passa bicicleta! Bem capaz! Nada disso!
Ah, queridas mulheres! Nós amamos vocês, tentem ser mais compreensivas conosco! =) Depois de alguma discussão conseguimos seguir e fazer uma parada calorosa (quente pra caramba!) em Agudos do Sul.
Horas depois, na localidade universal omnigeoposicional de Piên, o Lulis começou a demonstrar uma fadiga do além (além do normal). Em uma revolta ciclo-gastro-turística ele sofre uma intervenção nem-tão-adequada para a ocasião, fato que nos faz ficar parados por algum tempo até que o pobre restabelecesse sua integridade intestinal (porque a integridade moral já tinha se ido cueca abaixo). A consequente fraqueza do rapaz causou uma perda de rendimento do grupo e, justo por isso, ainda nos encontrávamos em São Bento do Sul quando a noite chegou. Tínhamos só mais uma serra inteira para atravessar (serra de catarina, que sobe muito antes de descer e desce muito antes de subir) - e no escuro.
- Localidade Universal Omnigeoposicional de Piên
- Embora questionada e polemizada pelos incrédulos e dissidentes, toma-se historicamente como fragmento da essência humana a crença coletiva em algo que não se pode ver ou compreender, mas que em contrapartida, paradoxalmente, está em absolutamente todo lugar. Algo de que se ouve falar, que se busca, crê-se estar próximo, mas nunca se chega a atingir. Se fosse um lugar, seria um lugar universal, um lugar que está em todo lugar, em todas as direções, omnigeoposicional. Seria Piên.
- Rezam as tradições ciclortourdoxas que para todo destino que se vai, Piên está por perto. E tudo no seu caminho indica que isso seja uma verdade. E você crê, verdadeiramente, que Piên existe. Mas você nunca foi a Piên. Você nunca pedalou em Piên. Piên está em todo lugar, mas você não vê. Você não conhece ninguém que nasceu em Piên - e nem sabe como se chama quem nasce em Piên. Mas Piên existe. É uma questão de fé. Se Deus é brasileiro, ele nasceu em Piên.
Faróis acessos (pense o que quiser), prontos para iniciar o desafio e - e na saída de São Bento o cabo de marcha do Arce se rompe (parabéns! vocês estão desprovidos de equipamentos de substituição, parados na beira da estrada, à noite, em uma cidade desconhecida). A única solução foi escolher uma marcha só e seguir. Horas depois (depois de muita serra na base da lanterinha e do aimeudeus), fomos acolhidos na casa de amigos em Corupá, indo pra caminha bem mais tarde do que o previsto. Chá, lulis. Vê se melhora.
Ah, Corupá! Uma bela cidadezinha ("um pélo citátessinha") do interior. Domingo de manhã, seminário, cachoeiras - e motos! Encontramos pela manhã um “pequeno” grupo de motoqueiros, bem em frente a casa onde repousávamos, que como nós gostam de viajar em grupos. Após uns 15 min de apreciação (leia-se "espera"), o Arce conseguiu atravessar a rua para encontrar uma solícita bicicletaria que abrisse suas portas para vender um substituto para o cabo de marcha que arrebentara noite passada.
Sorte à parte, partimos sentido Pomerode. Petalanto o picicrêtínia (força no alemón que focê entente), passamos por uma grande serrínia para encontrar os primeiros ¼ de alemães que encontraríamos na viagem. Segundo o Contracenso Demográfico de 2008, 80% de todas a cidades catarinenses são alemãs.
Entrando no circuito ao 2º dia já nos surpreendemos. Primeiro pelas lindas paisagens, estradas e rios - e segundo pelo roteiro. Não demorou muito para descobrir que os roteiros do vale europeu não fazem uso do caminho mais fácil entre duas cidades. É, para chegar em Indaial tivemos que dar muitos rodeios (pormaisque Rodeio só chegue amanhã), mesmo que as nossas lembranças tenham ficado mais adiante, em Dr. Pedrinho... (refogue a piada e reserve para o 4º dia).
Chegamos em Indaial à noite, com aquela sensação pueril de banco-de-trás: “Pai, estamos chegando?”. Mal sabíamos do engarrafamento que pegaríamos até chegar em Blumenau... Ah, sim, sorte novamente: estamos de bike. Seguindo pela estrada até Blumenau passamos alguns sustos devido ao grande movimento e pouca iluminação (e pouco acostamento também), mas isso tudo não foi nada se comparado à nossa chegada em...
- Nota notável
- Cabe mencionar aqui, caro leitor, o motivo pelo qual estendemos nossa viagem até Blumenau (do inglês, Homemazulagora). Realizamos esta "esticadinha" para não perder a piada de contar que hospedamos o odois (estas pessoas que tanto aprecias, amigo leitor) na cidade que hospeda o odois (este site que aprecias ainda mais, leitor amigo). Mal sabíamos que as piadas (e os odoises) iriam mais longe (literalmente)...
...em Blumenau. Ao chegar deveríamos entrar em contato com a Grace (do inglês, "C" cinza), a dona da caixinha (polvilhe a piada e reserve por um instante), que já havia reservado um camping para nós.
- Nota fora da caixinha
- Ao pensar sobre o site que agora reside em sua barra de endereços, hipertêxtico leitor, estou certo de que já tenha questionado: "mas afinal, de onde diabos sai tanta besteira?" Bem, de onde sai o odois.org não podemos contar (não nesse horário (retorne após 0h)), mas podemos contar onde guardamos tudo isso! Todas as fotos e histórias são registradas em e-papyrus, um tipo de pergaminho e-gípcio, que são enviados por correio até Blumenau para então serem guardados cuidadosamente na caixinha da Grace. Agora, se guardar já é uma e-popéia, hiperlínkico leitor, imagine o trabalho que ela tem para abrir a caixinha e ficar mostrando tudo isso para cada visitante do site...
Encurtando uma longa história (uns 12km de história), desencontramo-nos e acabamos por atravessar Blumenau atrás de um camping - mas do camping errado, desativado há anos! Depois de muita confusão acabamos escoltados pela Grace, sua mãe (muito simpática - ainda acreditamos que foi sem querer que ela tentou nos fazer passar direto pela cidade) e seu pai (que na ocasião foi nomeado advogado oficial do odois, o Dr. Athayde - se eu fosse você reservava, ah, reservava!). Agraceados pela boa companhia, boa comida e boa conversa, acabamos por nos recolher depois da 1h da manhã debaixo de muitas risadas.
- Artigo 2º, parágrafo 0², travessão
- O excelentíssimo (mas, olhe, excelente mesmo!) advogado do odois é figura digna de nota exclusiva. Divertidíssimo, Dr. Athaíde é reconhecido como o maior exterminador brasileiro de teleatendentes e televendentes (profundo conhecedor das suas mães que, segundo ele mesmo, gostavam - ah, gostavam!). O "velho mais engraçado do Brasil", como é chamado respeitosa e carinhosamente por nós, é autor da singela, comovente e célebre frase "o odois é lindo!" (não, não foi Caetano e nem Gil). Se um dia tiver o privilégio de falar com ele, grave. Grave para não esquecer. Mas grave mesmo, porque, segundo ele, a sua mãe pedia pra gravar e gostava - ah, gostava!
O terceiro dia foi saudado com um agradável sol matutino no tranqüilo camping de Blumenau. Uma bela e verdadeira ilusão frente ao pedal extremo que enfrentaríamos no restante do dia...
A saída de Blumenau foi por uma estrada paralela à BR470. O menor fluxo de veículos tornava o cenário ainda mais propício para o cicloturismo, seguindo o rumo de Indaial em meio a pequenas residências e indústrias quase pitorescas.
Nossos primeiros quilômetros de pedal já começaram entretidos: dois garotos, no auge dos seus 12 anos (idade em que a habilidade técnica e a coragem superam qualquer conselho materno), nos seguiram em 2 rodas em suas bicicletas. Isso mesmo, 2 rodas - uma vez que cada um empinava sua bicicleta sobre a roda traseira (a traseira dele mesmo, não a do coleguinha). A diversão foi interrompida por um patrulheiro rodoviário que os parou, aconselhando-os a andar com segurança - ou seja: 2 rodas no chão por bicicleta!
Neste mesmo trecho conhecemos uma ponte pênsil funcional - e assustadora, como toda ponte pequena deste tipo. Depois de almoçarmos (ineditamente) num restaurante próximo a Rodeio, comprovamos que o circuito não é elogiado e conhecido à toa: suas belas paisagens são realmente uma constante. Agora, mais constante ainda é o coeficiente angular do que seria o início do 4º dia do trajeto oficial, que para nós foi a 2ª (e mais difícil) parte do 3º dia.
- Notemática
- leia denovo e refaça as contas ordinárias pela 20ª vez.
O grande aclive - longo e com grande diferença altimétrica - mostra porque este roteiro é parte da parte alta do circuito - que é alta mesmo. A subida recheada de estatuetas de anjos nos levou para 800m de altitude - e para o fim da tarde...
Já era noite quando chegamos na bifurcação que levava à cachoeira do Zinco. Amantes do metal que somos, não hesitamos em continuar o caminho, apesar da ultima informação dada por moradores locais, já na noite: "é só subir a serrinha do Zinco!". O cansaço era tão grande que mal havia neurônios dispostos a fazer piadas do tipo “podia ser de alumínio ao invés de zinco, seria mais leve!”, “esse zinco tá parecendo chumbo!” ou “é de levar ferro essa subida do zinco!”.
Os dois quilômetros de subida (e uns 300m de ascensão) sobre pedras soltas, com incrível visibilidade de 2 metros, fizeram com que este dia entrasse para a lista dos mais difíceis - provando que mesmo cicloturista experiente também solta as tira, as tira. No entanto, a recompensa foi boa: o local de camping - espaçoso, vazio e confortável - nos permitiu recuperar a energia e a disposição.
- Solta as Tira, as Tira
- Para uma escala de grau de esforço físico e psicológico que excursione de 1 à 10, constitui prática comum no cicloturismo expedicionário qualificar a faixa entre 8 e 15 como "de soltar as tiras". A expressão denota exaustão física e psíquica extrema extremamente exaustiva reincidente e recursiva "de soltar as tiras". Exemplifica-se. Se uma "subida de soltar as tiras" for chamada de "subidão", a expressão reincide naturalmente como em "subidão de soltar as tiras". Em conseqüência, se denominarmos "subidão de soltar as tiras" por "subidaça desossante", ter-se-ia obrigatoriamente uma "subidassa desossante de soltar as tiras", e assim recursivamente. Desta forma, "soltar as tiras" tende ao desgaste infinito, normalmente referido como "tiras ao vento". Cabe ressaltar que em situações compreendidas dentro desta faixa, se o cicloturista não estiver apto a soltar as tiras, as tira.
- Sendo assim, partindo das seguintes premissas: A) mais de 4 dias pedalando em cima de um banquinho de bicicleta deforma qualquer um; B) qualquer um acumula cheiro depois de 4 dias em viagem; C) cicloturista que é cicloturista pedala até soltar as tiras; conclui-se que um verdadeiro cicloturista nunca será uma havaiana, mesmo que goste de acenar com colares de flores até soltar (se não soltar, as tira).
Nota: as informações acima são exertos fiéis dos anais do vigésimo congresso de neo bio fisio psico pato núcleo tera pia estônica de melotudogia industrial milenar atlante pré socrática azul turquesa de mensuramento de desgaste sócio psico físico mento emo cional humano estacionário experiódico astável (referência).
Após uma tão comentada, complicada e noturna chegada no dia anterior, nosso dia começou com a esperança de realmente chegar de dia no próximo destino. Com apenas 44 km, esse foi o dia reservado para descanso e pedalada tranquila.
Depois de ter que subir quase toda a serra para chegar no Campo do Zinco, finalmente iríamos conhecer a tal cachoeira do zinco (não é a do três, nem a do quatro, é a do zinco). O salto realmente impressiona. O lado divertido é que a vista é obtida a partir de um platô na altura do topo da cachoeira (nessa hora a gente até esquece o quanto teve que subir).
Não ficamos muito tempo no mirante e nem descemos para conhecer a base da cachoeira, por problema de tempo de duas espécies: tempo ruim (tava aquele friozinho, tempo fechado) e falta de tempo (só porque a quilometragem era baixa nos demos o direito de sair meio-dia).
Falando em tempo, já é tempo de contar que a descida valeu a pena. Todos aqueles muito metros de altitude no escuro na noite anterior se converteram em uma excelente descida de serra por estrada de terra.
Ainda no município de Benedito Novo, seguimos pelas entranhas chegando até a uma Igreja com a arquitetura típica da região, Enxaimel. Deveras interessante. Na verdade o que nos chamou atenção foi a acústica da escada da igreja.
- Intervenção
- O primeiro editor deve estar "out of little house" (conhecido vulgarmente por "fora da casinha"). Que absurdo discutir a acústica de uma escada! Se bem que, AH, sim! Aquela escada! É verdade, fazia um "woum woum woum" quando subíamos batendo a sapatilha... Tá, tá. ok, pode continuar!
Em seguida a vida continuou só alegria, uma estrada de terra acompanhou um rio até chegar na cidade de Dr. Pedrinho (sim, nós acompanhamos a estrada, que acompanhou o rio... ô companheirismo!). A cidade é bem pequena mas tem um mercadinho (que está diretamente ligado ao fato de ter uma cidade e uma igreja) onde aproveitamos para abastecer.
Ao contrário da ordem do Circuito Vale Europeu, resolvemos seguir mais 12km até a propriedade onde se situa a Cachoeira Véu-de-Noiva-do-norte-de-Dr-Pedrinho (afinal, nesse Brasil tem mais cachoeira véu-de-noiva do que gente (só nesse Brasil aqui, em outro Brasil eu já não sei - não ponho minha mão no brasido por isso!)). Fomos muito bem recebidos e após um jantar recheado de laranjas (tinha pé-de-laranja em volta de todo camping), fechamos a noite com um brigadeiro de frigideira (pela primeira vez no odois!).
Amanhece e o quinto dia já começa a apresentar suas reações... para manter o grupo psicologicamente funcionando é necessário fazer um questionário de verificação: 1) Que dia é hoje? 2) Qual dia da semana? 3) Quantos dias de viagem temos? 4) De qual cidade viemos ontem? 5) Qual o seu nome? 6) Para onde estamos indo? 7) Quando esta viagem vai ser publicada no site? 8) Esse é o jogo das perguntas?
- Nota de indignação
- Hei! Captei uma indireta nessa pergunta 7! Fica frio que a gente tá trabalhando pra isso!
Ainda pela manhã (isso porque o nosso coeficiente de atraso de saída é alto) terminamos de desmontar o camping. Seguimos então em busca da Cachoeira do Véu da Noiva propriamente dita. Consta que a cachoeira é acessada por uma trilha aos fundos do Camping, não muito distante. Encontramos a cachoeira, tiramos algumas fotos e saímos felizes por tê-la encontrado - só mais tarde, terminada a viagem, descobrimos que esta era apenas uma irmã menor da verdadeira Véu de Noiva... Tudo bem, um dia a gente volta lá. Partimos com aquela famigerada sensação de que estamos no meio de nada, longe de casa - mas com a impressão de que aquelas estradas eram extraídas, uma a uma, de belos postais europeus.
Seguimos sentido Alto Cedro, pois ainda haviam 80km e muitas subidas por percorrer... Diz a lenda que no roteiro oficial do dia 5 não se encontra nem alma penada na estrada - e por um bom tempo andamos e andamos (ops, andamos não, pedalamos!) sem cruzar com carros ou pessoas. Eis que então avistamos outros seres, da família dos biciclípedes, realizando movimento migratório em grupo. Aproximamo-nos com cuidado e descobrimos tratar-se, na verdade, de seres amistosos da família Heil (guarde esse nome, caro leitor - mas guarde bem, porque essa é uma reserva para outras expedições...). Dividimos a estrada com eles margeando belas paisagens, represas e florestas - ora eles, ora nós na dianteira. Ainda bem, porque senão a única coisa animada que encontraríamos durante todo o trajeto seriam caminhões carregados de madeira (levam pau, esses).
- Negativa ovinobálica
- A ausência de seres só não foi mais verdadeira porque ainda presenciamos uma cena rara nas altas altitudes de Alto Cedro, em meio à neblina ensurdecedora (não era bem essa a expressão - mas, enfim, ela também obstruía um outro sentido (duplo, esse)). Já combalidos, deparamo-nos com balidos muito próximos e tivemos que parar para praticamente não assistir a travessia de um rebanho de ovinos - imagine você, caro leitor, a nossa não-percepção dos cordiais cordeirinhos dada sua brancalvura em meio à densa neblina... (dentro do grupo há aqueles que juram que não viram nada disso).
Ao chegar em Palmeiras havíamos concluído dois dias do circuito original em apenas um (os dois são o cinco (não confunda com o zinco) e o seis, se é que você conta comigo, caro leitor). Procuramos um local para dormir, com aquele bom papo de cicloturista low-cost, e conseguimos com os gentis locais uma casa para dormir... literalmente. A casa que pertence ao Clube de Campo da Malwee estava sendo preparada para ser demolida na próxima semana - e serviu de um ótimo e bastante-mas-não-muito seguro abrigo em uma noite de chuva e trovoadas. Ainda tivemos tempo de jantar no restaurante local e assistir, aliviados, a chegada (sob névoa e garoa noturna) dos últimos valentes integrantes da família Heil.
Valente leitor, sexto dia, hein? Nós também já estávamos cansados, mas ainda faltava um pouco de Vale Europeu para concluir o almejado objetivo de completar os 300 km. E o Vale e seus vales valem a paciência, validado leitor, acredite.
O sexto dia do odois foi também último dia (ou sétimo) do circuito oficial. Se em dias anteriores nós tivemos muito sofrimento com gaguejáveis subidas, neste nós chegamos à tão esperada descida do planalto catarinense, rumo à planície onde está localizada Timbó, a sede do circuito.
Saindo de Palmeiras enfrentávamos um clima ainda frio. Logo iniciamos a descida da serra, passando a localidade de Rio Milânes. Nessa hora não se pode negar que, tamanha a adrenalina da descida, foi difícil descobrir onde era a tal “Cedro Alto” (nos pareceu muito baixo), o Rio Cunha e o Ribeirão do Tigre (podemos jurar que isso está no site do circuito). Destaque para a ponte típica na localidade de... de... de não sabemos ainda ao certo, mas era digna de destaque.
- Nota
- O segundo editor, em consideração à preguiça do primeiro em descobrir o nome da localidade, se predispôs a procurar no GoEth e, então, explica: essa ponte é patrimônio histórico, sita à localidade de Rio Esperança, entre Rio Milanês e Cedro Alto - que, segundo a primeira colocação em segundo plano do primeiro editor, é baixo.
Mas qual seria a graça só de descer a serra e pronto, fim do circuito? Então. É na sequência que aparece a subida considerada por alguns como a mais íngreme do circuito (100m ~ 450m de altitude). Esse trecho é antes de Rio Cunha, e, apesar do sofrimento, traz muitos belos “mirantes” que exibem o relevo da região e cachoeiras adjacentes.
Sofrendo mais um pouco, enfrentamos uma bela descida para chegar ao centro de Benedito Novo (passou tão rápido, mas tão rápido que o fotógrafo não viu descida e nem riu). Nesse momento começa a expectativa para terminar o circuito.
- Nota corta clima
- Lembrando que isso se refere ao circuito instituído em si. O odois ainda estava devendo um dia, porque entramos no circuito pelo roteiro oficial do 2º dia.
Finalmente: Timbó! (tampém conescida por Timpó, en alemón). O circuito acaba no Complexo Turístico Thapyoka (museu, sede da Associação de Municípios do Vale das Águas (praticamente o Vale Europeu em si), danceteria, restaurante, praça, cascata). Nesse local nós encontramos o Dimas, um dos idealizadores do roteiro e também dono do restaurante. Após uma conversa e dicas de como “voltar melhor” pra casa, seguimos para a sede da associação, onde foi possível retirar o certificado de conclusão de roteiro (quase uma graduação cicloturística).
Em meio à já presente nostalgia o Thiago viu um raio quebrado na bicicleta. Seguimos para uma bicicletaria - afinal, circuito de cicloturismo que é circuito de cicloturismo de verdade tem que ter bicicletaria boa! E tinha mesmo! O Sr. Bona (Cicles Bona) arrumou rapidamente o veículo sob uma boa e descontraída prosa cicloturística.
Agora vem a decepção para muitos fãs do odois... Vocês já choraram quando a gente dormiu em casa de amigos, vocês espernearam quando nós ficamos em pousada, mas, dessa vez, nós sacaneamos: odois dormindo em hotel (com nome de hotel e tudo mesmo!) é demais!
- Esclarecimento:
- A assessoria de imprensa do odois, após procurada exaustivamente para comentar o caso, explica: ”[...] nós seguimos o raciocínio: todo e qualquer meio de hospedagem ofertado sob tarifa inferior à dos campings da cidade de itapema-sc, seja ele uma pensão para cavalos ou hotel, deve ser considerado alternativa para acomodar cicloturistas [...] e daí eu pintei de azul [...] vai ter que gravar denovo? não, não [...]”
E foi isso. É. Daqui pra frente você verá aqui, hospedeiro leitor, mais e mais meios de hospedagem alternativos extra-hoteleiros como pulgueiros, zonas, fundos-de-quintal, só-pra-contrariaris...
Não acredito que você, caro leitor, ficou tão chateado com esse papo de hotel. Nós já explicamos que foi mais barato que camping em Santa Catarina - e ainda tinha o café da manhã incluso... Ok, não vamos mais discutir. Até porque você vai ficar mais chateado ainda quando ver o pouso do dia de hoje... Mas isso é só pro fim do dia, vamos com calma que o dia é longo (mais de 140km).
Acabou o circuito e vamos para casa? Claro que não: ainda devíamos um dia para completar os 300km. Começamos pelo segundo, logo terminaremos pelo primeiro.
- Intervenção editorial
- Por favor, essa história de misturar os dias do circuito com os dias da viagem está enlouquecendo os leitores - e os escritores também! Vamos botar tudo em pratos limpos, ou canecas sujas, como prefiram: Sétimo dia da viagem, correspondente (em partes) ao 1º roteiro do Circuito Vale Europeu de Cicloturismo. E ponto. Posso ir pra casa agora?
A descrição original do roteiro explica que nele há uma subida que serve para testar aqueles que desejam saber se é possível cumprir todo o trajeto. E isso é a mais pura verdade, como todos já sobem. Pra compensar todo esse esforço, Lulis e Thiago atingiram as maiores velocidades em estrada de terra da história do odois (na descida que precede a subida, nessa mesma ordem). De chorar (lacrimejar, no mínimo).
Na seqüência, o prêmio foi conhecer a Rota Enxaimel, já no município de Pomerode. São várias as casas próximas à estrada, construídas (ou inspiradas) nesse estilo arquitetônico.
Final não-oficial do circuito e … e falta muito pro odois chegar em casa. Após decisão na noite anterior, a idéia seria pedalar até o mais próximo de Curitiba, dormindo em algum posto, para sobrar bem pouquinho para o último dia. E não é que deu certo? (mas doeu também...)
Saímos de Pomerode por estradas de terra e muita subida. Após dificuldades de orientação e adequação do trajeto, finalmente alcançamos uma estrada que levaria ao acesso da BR101. Na cidade de Massaranduba o pneu do Thiago cansou e pediu pra fazer um manchão - quase estourado, foi remendado no método gambiárrico mesmo (que provavelmente perdura até hoje).
Nossa surpresa no final do dia foi a “Rodovia do Arroz” ou “Estrada de Vila Nova”: para os que vem de Jaraguá do Sul, é uma forma mais rápida de chegar à BR101 sentido Garuva (sim, é melhor olhar o mapa). Excelente para pedalar (e muito nova). Num bom ritmo chegamos finalmente à Joinville. O fim de tarde não desanimou a idéia de achar uma hospedagem de posto. Pedalamos mais algum tempo até parar num hotelzinho de posto em Pirabeiraba (mais barato que camping em Itapema, também). Mais um dia longo pra caramba, soltando as tiras no melhor estilo viagem do Vale Europeu!
Uma frase curta resume todas as voltas de expedições: “retorno é retorno”. A pequena alteração no trajeto (estender a distância do penúltimo dia para reduzir a do último) tornou o regresso rápido e seguro, uma vez que chegamos antes do fim da tarde (sem passar pelos riscos de percorrer rodovias à noite).
Acordamos no hotel sem muita fome e, posto isso, optamos por sair rapidamente para tomar um café da manhã - digno de cicloturista - em uma panificadora em Garuva. Bem alimentados, bem felizes, bem cansados dos demais dias e com as bicicletas bem desgastadas, subimos a BR376 em um tempo bem curto, parando apenas para perder luvas e descansar comendo piadas e contando bolachas.
Fizemos uma última parada - já após a serra - para comer e contar besteiras curtindo os últimos momentos desta grande aventura (x4), sob um sol de meio-de-tarde-ainda-com-um-vento-frio, característico da época do ano. Nos dias anteriores tínhamos pedalado tão acima do nível de dificuldade esperado que este retorno pela serra da BR376 (que por muito tempo fora considerado um bicho papão a ser evitado) acabou sendo um dos dias mais tranqüilos da viagem. Mas somando tudo o que passamos concluímos que vale. Vale o Vale. Vale cada vale. E, com certeza, acima de tudo: solta as tiras - mas a gente gostava, ah gostava!
Serviços #
Camping Florestal. Sr. Zé (47)9144-8687. R. Konrad Keuencke, 38 - Vila Nova - Blumenau - SC. (próx. Vila Germânica).
Pousada Campo do Zinco. Benedito Novo - SC. Egon (47)3385-0160 (47)3391-3411. Mais informações.
Cachoeira Véu de Noiva. Dr. Pedrinho - SC.
Península Palmeiras. Mário (47)9907-9989. Palmeiras - SC.
Del Valle Hotel. (47)3382-0514. R. Germano Brandes Senior, 669 - Centro - Timbó - SC.
Cicles Bona. (47)3382-1758. R. Inglaterra, 326 - Centro - Timbó - SC.
Hotel e Restaurante Richter. (47)3464-1248. Rod. BR101, Km 25. Joinville - SC.
Expediente #
Texto e comentários à oito mãos, por Dú, Lulis, Thiago e Arce. vídeo por Dú. Fotos por Lulis, Thiago, Arce e Heil. Graxa branca por Thi. O restante foi feito à oito pés, ou oito pedais, e oito pneus, em oito dias.
Pedalado por du, lulis, thiago, arce.
Publicado em 1 mai 2009.