Itupava e Olimpo
Ficar parado não é nosso forte, mas temos que assumir: dessa vez valeu a pena. Adiando a partida em função do mal tempo, vimos passar mais de mês desde a triagem que preparou o terreno para esta viagem. A espera foi compensada à altura: o clima burlou a gramática e mostrou-se-nos um presente-mais-do-que-perfeito...
Ignorando a primeira e absoluta regra do grupo, passamos três dias viajando. Sim, sim, viajar nos é normal. O que não é normal é o odois viajar sem bicicleta! Percorremos parte do lendário jesuítico pró-expedicionário caminho do Itupava, beiramos (na beira mesmo) a ferrovia que desce a serra do mar, visitamos o complexo montanhoso do Marumbi culminando no Olimpo (trocadilho inevitável) e regressamos - de ônibus sim, mas nem por isso menos exaustos do que de costume...
Leia, veja, contemple, viaje com a gente - quem sabe você não se empolga e caminha por lá também? Aqui você encontrará informações suficientes para percorrer o trajeto, o mapa abaixo e os dados da Triagem Itupava podem ser de grande valia para orientação. Nos detalhes diários há também um pouco de história e outras informações interessantes sobre o Itupava e o Marumbi. Dessa vez você não pode dizer que não vai porque não tem uma boa bicicleta... ;)
Depois de muitas baixas na escalação original da viagem, a equipe restante pousou na casa do lulis na noite que precedeu a viagem. Carga pesada, excesso lateral e cara de poucos amigos: assim madrugamos na rodoviária velha de Curitiba, o terminal Guadalupe, para tomar o Timbú com destino ao terminal de Quatro Barras. Sono, ansiedade, saudade das bicicletas, medo de assalto, piadas novas e velhas. Chega de bobagem, desce do ônibus, pega outro e desembarca no ponto final do Borda do Campo sem muita conversa, a fama da região não é das melhores.
Nem nascera o dia e estávamos em marcha acelerada pela trilha. Sob a luz tênue das lanternas sentíamo-nos tão carregados como os transeuntes outrora, mulas. Depois de romper os limites conhecidos vislumbramos o morro que deduzimos ser o pão-de-ló, cremos estar no caminho das pedras... Era o trecho denominado "caminho do sabão", nome sugestivo e auto-explicativo: cuidado! Depois de um bom trecho sobre o calçamento defontamo-nos com o rio Ipiranga: sim, a travessia é obrigatória, pés descalços e água até as canelas... Chegamos então à Casa do Ipiranga. Pausa para visitação e alimentação, conhecemos também a roda d'água (embora nem mais roda tenha), retornando pelo trilho, à direita.
- O Caminho do Itupava
- Originário de antigas trilhas indígenas, cercado de lendas, o caminho do Itupava começou a ser utilizado por comerciantes e aventureiros durante a época colonial, por volta de 1625. Apesar das diversas dificuldades que apresentava, era o meio mais rápido de se cumprir o trajeto Curitiba - Litoral. O trajeto inicial partia do atual Largo Bittencourt (Círculo Militar), correndo sempre na direção leste passando pelo Bairro Alto, rio Palmital, Borda do Campo e seguindo serra adentro.
- Aquele que já foi denominado Caminho de Quereitiba, Caminho Real, Caminho do Mar, de Paranaguá, entre tantos outros, teve finalmente seu nome fixado em "Itupava" em função de uma importante "barreira" pedagiária contruída nas margens do rio deste nome.
- Apesar do calçamento original ser atribuído aos padres jesuítas, sabe-se que o dinheiro investido no caminho foi arrecadado através de uma espécie de pedágio da época, denominado "barreira". O capital cobrado dos tropeiros e viajantes era destinado à manutenção do trecho serrano que, acidentado, era o que mais carecia de estrutura. O trajeto finda onde encontram-se os rios Mãe Catira e Ipiranga formando o Nhudiaquara, a partir daí os usuários do caminho seguiam com pequenas canoas pelos rios até os ramais como Morretes e Antonina, seguindo enfim para Paranaguá.
- Hoje, em função da urbanização apenas conserva-se o calçamento original a partir de Borda do Campo, dentro dos limites de Quatro Barras. A distância total do caminho restante, ou seja, de Borda do Campo até as proximidades da Estação Engº Lange, é de 20km. A visitação é realizada por um público bem abrangente, de senhores(as) de idade até adolescentes. Alguns até realizam acampamentos selvagens no caminho ou ficam em pousadas, mas a maioria percorre o trajeto em um só dia. Os principais atrativos do caminho são as ruínas da Casa do Ipiranga e sua roda d'água, as vistas da serra do mar, a própria ferrovia e o Santuário do Cadeado que, após uma descida muito íngreme, surge trazendo ao fundo uma vista explêndida do complexo Marumbi.
Acesso: Descendo no ponto final do Borda do Campo, siga a avenida (embora acabe o asfalto) por mais 100m e perceba uma trilha no terreno à direita: o caminho é batido, por mata semi-cerrada. Siga pela trilha até o primeiro descampado e tome a direita, passando por um pequeno banhado. No segundo descampado também siga a trilha à direita até encontrar a placa que indica o caminho do Itupava / Ipiranga, siga-a (esquerda). Nesse ponto vários caminhos surgem, atravessamos outro banhado seguindo à direita e, em seguida, subindo à esquerda, sempre seguindo a trilha mais batida. Ao fim da subida encontramos um caminho mais largo, seguindo à esquerda atinge-se o morro "Pão-de-Ló", atual marco do início do caminho do Itupava. A trilha é bem conhecida, na incerteza pergunte aos habitantes da região. Procure começar cedo e fazer o trajeto em um bom número de pessoas, os assaltos a montanhistas eram frequentes, até pouco tempo, na região que precede o pão-de-ló.
Depois de algumas dúvidas, encontramos a sequência do caminho: entre a casa do Ipiranga e a roda d'água, subindo o morro ao lado do trilho, uma trilha escondida, lisa e íngreme, leva à continuação do caminho. Caminhada intensa e incerta, chegamos ao Santuário de Nossa Senhora do Cadeado depois de descer por um legítimo barranco - as mulas eram realmente heroínas! Lá nos deparamos com uma das vistas mais espetaculares da viagem: o complexo marumbi, a serra, o mar...
Aqui nos desvencilhamos do Itupava, segui-lo implicaria em afastar-se do nosso destino, o Parque Marumbi. Margeamos o trilho até atingir o parque, sempre tomando cuidado com o trem. Lá nos identificamos e, abismados com a portentosa vizinha montanha, chegamos à área de camping. Descarregamos os animais (como pesam essas mochilas!) e montamos acampamento. Todos concordamos que nunca havíamos visto tantas estrelas no céu, a via-láctea fez por merecer seu nome...

esse é o pão de ló. e se não fosse a gente estaria muito perdido

olhando do pão de ló: quatro barras surgindo pela manhã

ja mais calmos, caminhando com a luz do sol nascente

mano lulis, andando nas parada das pedra loka e pá

o caminho do itupava, um sabão de beleza e fragrância únicas

nada como um pequeno regato para sentar as mochilas e descansar

a travessia do ipiranga em margens plácidas e águas gélidas

a mata surge sob um belo céu, refletida nas águas do ipiranga

piscina nos fundos das ruínas do ipiranga (vazia, mas tá lá)

as montanhas ao fundo da casa, um quintal paradisíaco

odois nas ruínas depredadas da arruinada casa do ipiranga

uma vista ampla das ruínas em seu habitat natural

a pequena usina da roda d'água nas margens do rio ipiranga

a roda d'água, por mais que não exista mais roda

onde está o arce? dica: o isolante térmico dele é verde

um dos vários córregos que enfeitam o caminho do itupava

enquanto some o caminho, brotam bromélias e briófitas aos borbotões

mais um riacho providencial, água fresca e limpa

pedíamos água enquanto a sombra da carga excessiva nos perseguia

cada olhada para cima era uma visão única da exuberante mata atlântica

uma parada antes do barranco do cadeado, prenúncio de marumbi

o du no ring do cadeado, embasbacado com o marumbi

o marumbi que o du via. olha o trilho ali embaixo!

vendo o mar (vendo?) do cadeado. engº lange tá ali também.

e o cadeado ficou pra trás, hora de andar na linha!

olhando para o norte, a serra do mar em todas suas nuances

ponte são joão, não cai por nossa causa, mas se o trem aparece...

outra vista linda, um pouco mais aberta, da serra ao norte

odois mocado, esperano o trem passar. como assim, não viu o trem?

bem aventurados os que atravessam ilesos do túnel. bem emoldurados também.

bem amedrontados os que transpõe correndinho o viaduto do carvalho

já estamos quase chegando na estação, marumbi

o marumbi visto do camping, ao entardecer, explêndido
Sem muita frescura acordamos e saímos, afinal, tinhamos apenas um dia para percorrer o complexo marumbi. Realmente, muito complexo! Equipamento básico (lanterna, cordas, câmera, pilhas e cuecas sobressalentes) e algum lanche, definimos o trajeto: Subiríamos pela trilha frontal (sinalização branca), que dá acesso direto ao cume, o Olimpo, e voltaríamos pela trilha noroeste (vermelha), passando pelo Gigante, Ponta do Tigre, Desfiladeiro das Lágrimas (beirando a Esfinge) e, se houvesse tempo, o Abrolhos. Deixamos de fazer o Rochedinho (trilha azul) por já tê-lo visitado na primeira viagem ao Marumbi, diga-se de passagem, não tão bem sucedida quanto essa ;)
Depois de andar muito por trilhas de um grau de dificuldade relativamente alto, encontramos conhecidos e desconhecidos no alto do Olimpo: parada extendida para contemplação fascinante paisagem natural, indescritível, que se observa para onde quer que se olhe...
Seguimos, com pausas menores nos pontos de referência, até realmente decidir subir o Abrolhos. Valeu o trabalho... Mais uma pausa prolongada e retornamos com a sombra do rochedinho anunciando o ocaso. Mais uma noite de céu perfeito, eu sinceramente não queria voltar pra casa amanhã...
- O Marumbi
- Em 1879, Joaquim Olimpio de Miranda atingiu o cume do conjunto Marumbi, pico batizado - tanto em sua homenagem quanto em referência à mitologia grega - de Olimpo. Desde então muitas pessoas passaram a visitar o local, tornando-o berço do montanhismo no Paraná. Até 1941, o pico era considerado o ponto mais alto do Paraná. Em 1990, o governo do estado transformou a região em Parque Estadual do Marumbi, abrangendo 2.342 hectares. Em 1993, foi considerado Patrimônio da Humanidade e Reserva da Biosfera pela UNESCO.
- A estrutura do parque fica à margem da ferrovia, na altitude de 485m. Além da antiga estação existem no local o museu do ferroviário, a sede administrativa (onde se deve fazer os devidos registros ao chegar), (41)3432-2072, e o COSMO (Corpo de Socorro em Montanha). Para os que desejam acampar, existe uma área apropriada com banheiros e chuveiros.
- A montanha possui oito pontos de referência: Rochedinho (625m), Abrolhos (1200m), Ponta do Tigre (1400m), Gigante (1487m), Olimpo (1539m), Boa Vista (1491m), Facãozinho (1100m), Esfinge (1378m). Atualmente os três últimos estão interditados para conter a degradação ambiental (trilha amarela) ou mesmo pela necessidade de equipamentos específicos para cumprir determinados trechos.
Acesso: O acesso ao Parque normalmente é feito de trem, descendo na estação Marumbi. Outra alternativa é caminhar por um dos acessos, como a picada da mamona, que sai das proximidades de Morretes, ou a estrada das prainhas, saindo de Porto de Cima. Esta última, mais utilizada, é uma estrada não pavimentada que parte da PR411, nas proximidades de uma conhecida ponte estreita de ferro (onde passa apenas um carro por vez), acompanhando o rio nhundiaquara. Ela permite acesso motorizado até a estação Engº Lange (7km), de onde pode-se partir por trilhas (1km) até o Marumbi.
Fontes:
DREY, V. Guia Caminhos da Serra do Mar. Curitiba: Pirâmide, 1999.
IAP e Programa Proteção da Floresta Atlântica. Parque Estadual do Marumbi (folder).
SEMA. Programa de Proteção Ambiental da Floresta Atlântica - Pró-Atlântica Paraná. Governo do Paraná, 2005.

não é uma boa pose mas é a paisagem predominante na trilha frontal

arce superpop renato russo poser no alto do olimpo

lulis exausto meio nasi dormindo no alto do olimpo

du pensativo cabelinho arnaldo antunes no alto do olimpo

o arce no olimpo, o boa vista aos seus fundos e quatro barras atrás. ops

o tapete da mata atlântica cobre a serra. olha, o trilho e o cadeado! (ou quase)

panorâmica 400º da vista do olimpo, com direito a bis do gigante

o olimpo, visto do gigante. vê-se que thor não estava no olimpo nesse dia

morretes, sem cortes, com as baías de antonina e paranaguá de fundo

da ponta do tigre, vendo o abrolhos por trás. olha a estação lá embaixo

odois no tigre, com o gigante por trás e um espectro de leprechaun à direita

preparando-se para descer o quase vertical desfiladeiro das lágrimas

já no meio do desfiladeiro: abrolhos, tira a cabeça da frente!

desfilando nesse vale de lágrimas, entre o tigre e a esfinge

o desfiladeiro por fora: acredite, a trilha passa no meio disso aí

a cabeça da esfinge posando com morretes ao fundo. aliás, que morretes?

o-dois (ou três!) na ponta do abrolhos, espiando a estação (ou dormindo...)

pausa para meditação. tá, para descanso ... mas é descanso contemplativo!

a estação marumbi e o trenzinho de brinquedo, lá embaixo

voltando do abrolhos, vendo a esfinge, a ponta do tigre, um du e um arce e meio

quem me dera, ao menos uma vez, com a mais bela tribo, dos mais belos índios...

degraus, escadas, grampos, seja o que for: muitos deles!

mais um belo trecho de corrente. decorrente do relevo acidentado

hoje só vou dormir depois de desejar boa noite ao meu vizinho abrolhos
Despedida triste em um dia de céu não menos limpo que os anteriores, abandonamos o Marumbi tão pesarosos quanto o hipotético adão a deixar o jardim do éden... Uma caminhada cansativa, apesar da aparência suave, provavelmente acentuada pelo cansaço acumulado e, claro, pela completa ausência de elementos bicíclides...
Tomamos um ônibus ao final da estrada das prainhas, Porto de Cima, e outro de Morretes a Curitiba. É estranha a sensação de retornar de uma viagem mágica como essa sem movimentar as pernas ciclicamente, talvez seja falta de costume - ou excesso de outros costumes. Um dia comum, passado sob o encanto dos dois que o precederam...