Erechim

5 a 11 out 2011 7 dias 623 km

Conhecer e reconhecer novas paragens, fazer amigos e rever os antigos, rolar horizontes, respirar novos ares e sentir o tempo desacelerar. Assim é a essência de uma jornada cicloturística, e é imersa nessa essência que se desenrola (cilicamente) esta bela expedição.

Entre rodovias movimentadas e carreiros esquecidos, cidades urbanizadas e pequenos povoados, sete dias pedalados separaram a industrial Joinville da gauchesca Erechim. Um sonho antigo de Mr. Heil (no vídeo que o diga), realizado na companhia do (também realizado) companheiro de peleia, Lulis.

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Erechim
Situada na região do Alto Uruguai, norte do Rio Grande do Sul, Erechim é uma cidade amistosa que, apesar do seu significativo desenvolvimento urbano, preserva harmoniosamente a simpatia interiorana e os arraigados costumes gaúchos.
A exemplo de muitos povoados surgidos no início do séc. XIX, Erechim cresceu às margens da ferrovia RS-SP, sendo colonizada por imigrantes de origem polonesa, italiana e alemã. O nome Erechim significa "campo pequeno", denominação dada pelos antigos habitantes da região, os índios Caingangue.

Fonte: Prefeitura de Erechim.

A exemplo dos antigos tropeiros, nossos aventureiros percorreram os rincões de Santa Catarina e Rio Grande do Sul encantando-se com as paisagens, os costumes e as pessoas que encontravam pelo caminho. Como os tropeiros, levaram nos alforjes tudo de que se carece: roupa, comida, equipamento e disposição. E ao fim da lida, como os tropeiros, trouxeram para casa os bons momentos selados pela hospitalidade do gentil povo do interior. Acompanhe aqui o que a história, entre seus fatos e fotos, não nega.

Mapa & Tracks

Vídeo

1Vale do Selke 1 dia 127 km
DIA 1 joinville, guaramirim, massaranduba, vale do selke, blumenau, indaial

Os dias que antecedem grandes viagens não costumam ser fáceis. Se a fé move montanhas (ou, ao menos, cicloturistas por seus caminhos), preocupação e ansiedade movem montanhas de substâncias pelos caminhos do corpo, transformando até mesmo o almejado sono reparador em uma espera angustiante. Mas a véspera nem sempre é assim, ruim. Quase isso.

Se hoje é o dia 1, Mr. Heil está às vésperas da viagem desde o dia -200. Meses de planejamento, discussões, consultas, rotas traçadas e destroçadas. E tudo para aprender que sempre há o que aprender pelo caminho. Mas isso é pra outro dia, por hora o papo de hoje é ontem, o dia -1.

Nota retroativa não oficial
Para o nosso ansioso Lulis a viagem começa na véspera, nos 130 km percorridos de Curitiba a Joinville para aquecer e magoar pneus e joelhos. Você não leu isso.

Partindo do princípio (e abandonando a pré-história), o princípio foi Joinville, de onde partem em bom ritmo nossos dois ciclotropeiros. Com um bom tanto de asfalto plano, outro tanto de terra aos montes (e montanhas), parte do dia coincidia, embora não por coincidência, com o velho conhecido circuito vale europeu (parte muito bonita, diga-se de passagem).

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Vale Europeu
Muitas informações aqui mesmo!

No caminho encontramos a sensacional figura de seu Orlando Pio (76 anos), voltando de uma das suas viagens de "zica" (que é praticamente uma bicicleta, só que em Santa Catarina). Entre as redes de pesca que levava para remendar nas pausas do caminho, nos confessou que recentemente ganhou uma passagem pra visitar uma filha no Canadá, mas preferiu vender: Canadá eu já conheço, posso ficar com o dinheiro?

Notou
Enquanto isso, uma misteriosa mensagem é decodificada na base de operações do odois:
- Hoje observei dois integrantes pelas ruas de Joinville.
Falha de segurança! Emitir alerta, enviar tropas, contornar situação - agradecer, sorrir e seguir viagem.

No fim do dia, com o saldo de um pneu furado por cabeça (na verdade, por arames), mais uma queda e uma corrente rompida do Mr. Heil, mais um joelho rangendo do Lulis, chegamos exaustos em Blumenau. Só que ainda tinha mais um pouquinho. Estradas e balsas interrompidas, ganhamos uma boa volta extra antes de repousar (estômagos e cabeças) sob a abençoada acolhida do Nelson na companhia do Celso, grandes amigos e cicloturistas que já apareceram por aqui e por muitas outras paragens por aí. Pouso e repouso mais do que agradável, dormimos sorrindo.

2Braço do Trombudo 1 dia 109 km
DIA 2 indaial, ascurra, apiúna, lontras, rio do sul, agronômica, trombudo central, braço do trombudo

Enquanto agradecíamos a hospitalidade e carinho do Nelson, decidimos por reparo cada um no seu cavalo. Passando na bicicletaria antes mesmo de sair, Mr. Heil fez a regulagem no câmbio traseiro (que continuou saltando) enquanto o Lulis promovia o rodízio de pneus (que pararam de furar). Tudo em cima, pneus no solo e pedais ao vento.

Em um dia de bastante asfalto (asfalto agradável, bonitinho, bem apessoado), poucas surpresas. Ao fim do dia o forte vento lateral castigava enquanto saíamos do asfalto e entrávamos nas belas paisagens. Estendemos um pouco o trajeto e chegamos à noite em busca de um hotel surpresa (boa surpresa). Boa janta, caímos para dormir, mais uma vez, como se tivéssemos pedalado o dia inteiro. E assim foi.

3Otacílio Costa e Lages 1 dia 80 km
DIA 3 braço do trombudo, serril, otacílio costa, palmeira, lages

No hotel: bom sono, bom café, bom preço, bom papo. Tudo de bom e, como diria o amigo Tadeu, show de bola. Tudo conspirava a favor. Mas não era favor nenhum, nem conspiração: era a compensação prévia para a condensação que viria na suada subida em "s" da saída da serra do serril.

Depois de muita subida, com muitas paradas pra comer (altas paradas) e descansar, naturalmente surgiam alucinações entre a alvura da neblina que cegava e a altura do topo que não chegava. E no fim, depois de 600m de desnível, todas as subidas que vinham pareciam estar no plano.

Nota alucinógena
O misterioso helicóptero que sondava o serril durante a íngreme subida não fora alucinação, mas sim mais uma revelação transfigurada do tobateísmo.

Serras passadas, coube em Otacílio Costa uma parada para um almoço restaurante no melhor estilo clube irmão caminhoneiro. Algum trecho de asfalto com muito sol, muito caminhão e pouco acostamento depois, Lages deixava de ser longe e os pneus pediam repouso. Uma parada mais que estratégica na casa do cicloamigo embratélico de Mr. Heil, o gentil anfitrião da vez: Wilson. Mais uma noite de papo saudável, boa comida e bom sono - todos providenciais para preparar o terreno para as surpresas do dia seguinte...

4Salto Caveiras 1 dia 69 km
DIA 4 lages, salto caveiras, capão alto, campo belo do sul

O despertar mostrou um dia nublado, mas não triste - apenas fresco. Bom asfalto e bom rendimento saindo de Lages, tudo parecia fluir muito bem. Depois de uma respeitável descida até a represa do Rio Caveiras, muitas fotos e a alegria de um dia de pedal que já começava muito bem - e prometia muito mais.

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Rio Caveiras
Situado a 20 km do centro de Lages, o Salto do Rio Caveiras alimenta a usina hidrelétrica que antigamente abastecia a cidade. Ao lado, a represa forma um grande lago artificial utilizado para lazer e competições náuticas, com um piêr panorâmico e uma cascata artificial que dá vazão ao rio. Nas margens da represa há locais para banho de rio, pesca e camping.

Fonte: Secretaria de Turismo de Lages.

A saída da represa se mostrou um pouco acidentada, por uma estrada de terra em obras. Diversão, de toda forma. Mais algumas subidas e subidas, faz parte da brincadeira. Algumas pedras soltas aqui, outras ali, desce para empurrar bike em alguns trechos de pedras grandes soltas, mais algumas na subida adiante, outras mais na descida e pedr...

  • Peraí, peraí! Vai ficar nesse empurra-empurra?

Pior que ficou. A estrada de terra tinha tantas "recapagens" de pedregulho solto que forçou um ritmo lento, na base do nem-tão-radical empurracing. E os 15km de pretensa diversão foram por água (ou pedra) abaixo, tomando mais tempo que todo o restante do trecho. E tanto tomou que faltou água (pedra sobrava) a ponto de adentrar fazendas pra pedir um chorinho. A dificuldade foi tanta que o planejamento foi refeito para ocupar um hipotético dia de folga.

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Empurracing
Modalidade desportiva caracterizada pelo movimento continuamente desacelerado, praticada com o uso de veículos bicíclides de propulsão humana, muito embora sejam utilizados apenas como carga adicional. Consiste em deslocar o veículo. Só que pouco. E devagar. O Empurracing é pouco difundido no Brasil porque ainda não chegou.

Parada pra comer e descansar em Capão Alto, choveu. Definitivamente hoje não era dia de lucros e dividendos. Depois da pausa, pernas (não pedras) pra que te quero. Asfalto depredado (embora de menos pedradas) até Campo Belo, destino do início da tarde que só foi atingido no fim do dia. Embora os mais atingidos tenham sido os ciclistas (ou empurristas).

Hotel escolhido foi aquele que havia: hotel-bar-lanchonete-churrascaria. Como o dia seguinte era domingo (dia de hotel fechado), as bikes dormiram na rodoviária. Dois aventureiros exaustos acomodavam-se pensando no dia que passou, no que viria e na pergunta retórica: quem foi que fez esse roteiro, hã?

5Hidrelétrica Campos Novos 1 dia 83 km
DIA 5 campo belo do sul, cerro negro, anita garibaldi, barragem de campos novos, celso ramos

Para compensar o dia chuvoso e empedrado, o quinto dia amanhece com sol e transcorre por boa estrada e belas paisagens. Entre campos a perder de vista, rodamos em asfalto impecável até Anita com o típico e abençoado escasso movimento dominical.

Adiante, a caminho de Celso (o Ramos), voltamos às estradas de chão com muita pedra, só que desta vez pedra assentada (ou socada, se preferir). O desafio do dia não era permanecer na bike, mas sim suportar a vibração sem morder a língua (cada um na sua). Uma verdadeira trip para cardíacos, soltando desde as tiras até as placas de gordura dos vasos sanguíneos.

Ao fim do tremendo dia, antes de acomodar-mo-se-me-nos, estendemos o pedal para presenciar um belo entardecer às margens da impressionante barragem de Campos Novos. Hora e local perfeitos para um momento de relaxamento, reflexão e revitalização espiritual. Bah, hoje foi um dia bom, guri.

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Hidrelétrica Campos Novos
A usina hidrelétrica de Campos Novos situa-se no Rio Canoas, Santa Catarina, na divisa dos municípios de Campos Novos e Celso Ramos. Inaugurada em 2007, com três unidades geradoras e potência instalada de 880 MW, produz hoje um quarto da energia consumida no estado.
A barragem da usina está entre as maiores do mundo, com 202 metros de altura. Na crista da barragem passa a nova rodovia SC-458, conectando por asfalto as cidades que vizinhas. O mirante anexo oferece uma bela visão do complexo (vide fotos no fim do dia).

Fontes:
Prefeitura de Campos Novos
Wikipedia

6Pinguela do Rio Canoas 1 dia 74 km
DIA 6 celso ramos, rio uruguai, barracão, machadinho

Saída tranquila, estradinha de chão, papo no posto com Seu Gilmar, papo no campo com Seu Luis. Percorremos o traçado abandonado da velha SC-458 que, mais que estrada de terra, era agora uma estrada de pedra lavada. Nada crítico, a beleza do caminho encantava e compensava.

Depois de muito descer, atingimos um ponto alto da viagem: a pinguela sobre o rio Canoas. As fotos (e o vídeo) são a melhor expressão da diversão que foi caminhar (pedalar!) sobre as águas ali, num lugar tão inóspito. O abandono da pinguela (e da estrada) ficou óbvio pelo número de veículos que vimos a transitar por ali: duas bicicletas. E eram as nossas.

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Pinguela do rio Canoas
Localizada em Celso Ramos-SC, a ponte pênsil (popular pinguela) permite a travessia do rio Canoas pouco antes deste desaguar no rio Pelotas e formar o rio Uruguai, seguindo o antigo traçado da SC-458. Com seus 250m de extensão, a longa e estreita ponte suportava (quando bem conservada) veículos de até 2.500 kg transitando em apenas um sentido.
A ponte foi construída em 2001 para substituir a antiga ligação rodoviária inundada pelas obras da usina de Campos Novos (aquela, de ontem). Contudo, com acesso por estrada de terra em más condições, a ponte pênsil caiu em desuso após a construção da nova (e asfaltada) SC-458, cujo traçado passa na crista da barragem.

Fonte: Prefeitura de Campos Novos.

Passada a diversão na pinguela, a tarefa era recuperar a altitude perdida. Estrada ruim, tempo seco, e em uma das únicas casas na beira da estrada, um prestativo garoto se deu ao trabalho de completar nosso tanque com água gelada. E tanto subir culminou em descer vertiginosamente - agora por um belo asfalto - até uma baita ponte (600m) sobre o rio Uruguai, na divisa entre os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

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Rio Uruguai
O Rio Uruguai nasce na Serra Geral, formado pela junção dos rios Canoas e Pelotas. Seu leito delimita a divisa natural entre os estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, bem como as fronteiras entre Brasil, Argentina e Uruguai.
No idioma Guarani Uruguai significa "rio dos pássaros pintados", embora hajam outras interpretações para o nome, como "rio dos caramujos", "rio de águas profundas" e "rio das voltas".
Com extensão total de 1770 km e desnível médio de 24 cm/km, o rio Uruguai abriga atualmente quatro hidrelétricas no percurso superior (Itá, Machadinho, Foz do Chapecó, Salto Grande), além das usinas instaladas nos seus afluentes (3 no Canoas, 1 no Pelotas). A agricultura e a navegação também são atividades favorecidas pelo rio, principalmente no seu percurso em terras argentinas e uruguaias.

Fonte: Wikipedia

Nota de conquista
Registra-se aqui a primeira pisada (ou rodada) do odois em território gaúcho. Baita honra, tchê!

Compramos algumas subidas novamente (cruzar rios tem esse revés) e, papo vem no bar, papo vai no mercado, paramos para um merecido refresco em Barracão. Na saída quase perdemos a entrada para Machadinho (quase, hein, Mr.?), mas achamos - e o que achamos foi uma estrada de terra no capricho.

Estrada e paisagens belíssimas, pôr-do-sol no horizonte e, ao seu lado, nasce a lua quase cheia. Um belo cenário para a chegada à-noite-mas-nem-tanto no camping onde pousaríamos (já que as termas, infelizmente, permanecem fechadas à noite). No balanço, Mr. Heil, que vinha furando um pneu por dia, extrapolou e somou três. Último dia na rua, macarrão ao fungui no jantar e sono em barraca pra valer. Amanhã tem mais um pouquinho.

7Erechim 1 dia 81 km
DIA 7 machadinho, maximiliano de almeida, ligeiro, viadutos, gaurama, erechim

Noite tranquila, camping desmontado, saímos de papo em papo de Machadinho. Na ânsia de chegar, terra e asfalto passaram voando. Em Viadutos, uma paradinha na venda para comer um pão com salame, queijo e faca colonial. Algum sobe-e-desce, pneus que furam-e-refuram e apeávamos em nosso destino, Erechim.

Na chegada, recepção animada pela família do Mr. Heil: a sogra Dona Lídia, a esposa Margarete e a cunhada Elizabet. Nos dois dias que se seguiram passamos bons momentos visitando a cidade, comemorando o aniversario do Mr. Heil e, claro, proseando ao sabor do típico chimarrão gaúcho. E a lua, que enfeitou as noites da viagem, agora se exibia cheia, fechando o ciclo com chave de ouro. Haveria mais o que dizer? Pois houve: tanto assunto que acabou na rádio da cidade.

Nota cicloculturista
A equipe odois, representada pelos membros sênior Lulis e Mr. Heil, teve a honra de conceder longa entrevista ao radialista gaúcho Aldo Ribeiro (todos devidamente pilchados em trajes típicos, cada um no seu) por conta da cicloturística expedição a Erechim. Participaram também Alba Albarello, fundadora do Café Cultural de Erechim, e Lídia Rossi, cidadã ilustre do município. Fiquem ligados, a gente volta já!

No fim de tudo, vinga a sensação de ter realizado alguns sonhos e cumprido uma missão. E se aquela angústia que antecedeu a viagem já se dissipara, também se justificara: grandes histórias são formadas de uma multitude de pequenas lembranças que deixam saudade. E na próxima vez não será diferente (pormaisque seja).

Nota posterior não oficial
Finda a aventura, a aventura continua - pormaisque esteja tecnicamente fora da viagem, já que o Lulis seguiu em expedição solo. Dois dias extras de pedal para rever os amigos em Ponte Serrada-SC, com direito a uma legítima pinguela aos pedaços. E você, mais uma vez, não leu isso.

Serviços #

Amorim Bike. (47)3333-0004, www.amorimbikeshop.com.br. R. Lauro Müller, 245 - Indaial - SC.

Hotel Becker. Rose. (47)3547-0243. R. Tiradentes, 67 - Braço do Trombudo - SC.

Hotel e Restaurante Espeto de Ouro. (49)3249-1142. R. Major Teodósio Furtado, 124 - Campo Belo do Sul - SC.

Pousada Bela Itália. Hermes (49)3547-1160. R. Dom Daniel Hostim, 793 - Celso Ramos - SC.

Camping Casagrande. Roberto (54)3551-1638 (54)8118-1404. Machadinho - RS.

Rádio Tchê Erechim 1200 AM, Programa Alma Campeira. Aldo Assis Ribeiro. toligado@radioerechim.com.br.

Café Cultural de Erechim. Alba Albarello. ara.alba@yahoo.com. R. Gonçalves Dias, 208, Centro, Erechim - RS.

Expediente #

Texto, fotos e vídeo por Lulis, inspiração e roteiro por Heil, base de operações por Du.

Pedalado por lulis, heil.

Publicado em 26 set 2012.