Limeira Outrem

1 e 2 mai 2009 2 dias 173 km

Era uma vez uma viagem muito, muito, muito (olha, muito mas muito mesmo!), muito molhadinha. Uma daquelas úmidas viagens que não deveria ser feita nem com sete mil éguas submarinas, quanto mais com quatro bicicletas (ou um trem), veículos notadamente impróprios (sejam próprios ou de outrem) para ambientes com abundância de água em suspensão! Em suma, chuva! Ou melhor: em chuva, suma!

Mas o leitor de faro aguçado, conhecedor desse papo água (nosso hidrófilo leitor?), reconhecedor de expedições e mapas, já deve estar a se perguntar: "masquediabo (e masque com força!), isso aqui não é o projeto BR101.PR?". É, amigo leitor, é quase isso: é igual, só que diferente. Uma revisita ao local, mas com diversas peculiaridades. Não vamos entrar no mérito de explicar as motivações

Intervenção nº1
Mentira, vou entrar sim: a bendita viagem foi planejada principalmente para que o Thiago e o Arce (com Mr. Heil a tiracolo - ou seria a soltastiracolo?) pudessem conhecer o trajeto, já que não estiveram no projeto BR101.PR. E não é que o Arce deu os canos? Deu, sério! Pronto, entrei no mérito, falei.

Bem, sem mais rodeios (ou outras cidadezinhas valeuropeias), resolvemos percorrer a estrada da Limeira do avesso (observe que não era a estrada, nem a limeira e nem nós que estávamos "do avesso", mas sim o percurso!), seguindo de Garuva a Morretes, com a companhia do nosso animadíssimo (leia o livro, digo, veja o vídeo!) correspondente Joinvilense, Antônio Heil, benvenutto de outrora. E ainda coroamos o retorno inaugurando mais uma categoria de intermodalidade nas nossas expedições: cicloturismo em trem turístico!

Mapa & Tracks

Vídeo

1Estrada da Limeira 1 dia 137 km
DIA 1 curitiba, garuva, estrada da limeira, cubatão, rio canasviera

O dia começa em Joinville (sim, sim, o dia também começa em outros lugares do mundo inteiro, georreferenciado leitor, mas nesta estória quem manda são editores um tanto quântico espacialmente relativos, e se eles decretam que o dia começou em Joinville, foi lá que o dia começou, ok?). Voltando. O dia começa em Joinville (do inglês, Juntópolis), com Mr. Heil saindo de casa às 5h da manhã em direção a Curitiba para se unir ao odois em expedição - uma verdadeira prova de amor. Não fosse sua boa vontade teríamos ficado em casa, dormindo, dada a chuva que já se pronunciava.

Poxa, Heil! Bem que você podia ter ficado dormindo sequinho na sua casa também...

O Arce deu "meio-calote" e nos acompanhou por um pequeno trecho, até a saída da cidade. Sob uma garoazinha chata, fomos brindados com o já tradicional pneu furado do Thiago. Um acidente de trânsito alguns metros à frente (não foi nossa culpa!) nos trouxe um pouco mais de calor humano (ou automotor, mesmo (por mais que estivesse muito frio ainda assim)).

Certamente o desidratado leitor já vivenciou um daqueles dias em que se deve ficar em casa, recolhido, sem nem pensar em sair, quanto mais se for pedalando? Era esse mesmo o dia. A manhã passando, a chuva engrossando, a bicicleta parando de responder e os colegas também. Meia descida de serra, bem molhadinha e congelante, e... e... pneu furado do Thiago. De volta!

Nota auto-não-explicativa
Mesmo que o Thiago faça uso de fita de proteção contra furos medíocres (pedaços de grampos e arames, caquin de vidro), sua superação supersticiosa mística ultrapassa as barreiras da normalidade, atraindo incessantemente a presença dos infindáveis pregos que afligem o espectro de seus dois pneus. Este aspecto, em bom português, pode ser traduzido por: "Furou. Mesmo!".

O dia (que começou em Joinville, certo?) seguia prometendo. Durante o reparo do pneu um motociclista "deitou" no asfalto (não intencionalmente) (e não foi nossa culpa!), causando o maior rebuliço nas três faixas no meio da serra. Trânsito parado e um pneu de bike remendado depois, descobrimos porque ele havia caído: estava tentando desviar de um carro, que por sua vez estava tentando desviar de um cone, que por sua vez estava parado, mas indicando perigo imininente, que por sua vez era reflexo de um engavetamento de uns 8 carros. Crescei e multiplicai-vos: acidente gera acidente mesmo!

Toda essa aventura transcorria bem (bem?) até que, pouco antes de chegar em Garuva, o Lulis girou sobre os próprios calcanhares (os da bicicleta), só que sem os calcanhares. Deslizamento do traseiro (o pneu!) na direção do acostamento. Uma bela decolagem com aterrissagem um pouco brusca, mas nada que paralisasse o ciclista ou a viagem.

Molhados em Garuva, lanchamos sem saber que nos esperavam a lama e a noite. Conversando (e dançando!) com o bom humor de sempre (humor aquoso, sem dúvida), fizemos uma grande gambiarra no pneu do Thiago para conter a fuga da câmera (por um rasgo lateral, culpa daquele furo da serra). Moléstias à parte, confeccionamos um legítimo reparo artesanal cicloturístico em Garuva.

Depois de muito pedal, já estávamos em semi-desespero pela hora avançada, pelo clima frio e chuvoso e pela, oras, droga, pela situação toda, né? Lá pelas tantas o Du começa com um papo de "valor da informação", "preço da informação", e mais um monte de coisas da informação - típicas de um recém mestrando em gestão da informação. Hein?!

Nota du Du
Esse papinho mole sobre a informação tem fundamento. Em um afastamento momentâneo, uma conversa com um habitante local rendeu uma informação valiosa: na localidade pedestres e bicicletas costumam passar por um ponte pênsil logo a frente, cortando de 10 a 15km do caminho. Desta forma evitaríamos contornar o grande rio Cubatão até a ponte (para carros) mapeada. O tal valor da informação estava aí: valeu muito 15km de crédito ao anoitecer, com frio, fome e molhados!

Avançada noite, chegamos à Mercearia Bar Camping de Canasviera (era lá que pretendíamos chegar, mesmo que não soubéssemos se conseguiríamos ficar por lá!). Enfim, um trunfo: fomos bem recebidos, por compaixão à nossa suja e úmida precariedade, conseguindo um espaço seco e limpo para acampar, banhos quentes e víveres para a janta. Exaustos, dormir foi o mais fácil - no duro.

2Subindo a Serra de Trem 1 dia 36 km
DIA 2 rio canasviera, estrada da limeira, sambaqui, morretes

Segundo (e último!) dia de viagem. Depois de tanta chuva, estávamos imprestáveis. Mas nem as bicicletas prestavam mais! E, falando em não prestar, o prestativo leitor lembra daquele remendo no pneu do Thiago? É, foi pouco. Tivemos que adotar uma nova estratégia, extravagante: manchão por dentro (para a câmera não escapar!) e manchão por fora (para não escapar o pneu!). Só vendo pra acreditar. Fingimos que ficou bom, aliás, fingimos que ficou excelente, e seguimos.

Chega mais chuva. Mas, chega! Chega de chuva! Sim, uma hora ela sossegou um pouco, mas já estávamos subindo a Serra da Limeira - ou melhor, serra da Lameira! Haja limo, nas subidas e nas descidas! Se bem que foram várias subidas, mas praticamente uma descida só (e bem íngreme). Parece que esse sentido que percorremos é realmente o avesso do trajeto: de Morretes à Garuva a extensão das descidas era muito mais agradável...

Nota lisa
Em uma das muitas empurrandanças (porque pedalanças eram impraticáveis naquelas lisuras), cruzamos com um pessoal de carro (os únicos que vimos), sofrendo um monte (uma montanha, até) pra passar um trechinho pedregoso (e liso) da estrada. Não sabíamos quem tinha mais dó de quem, foi mutuamente engraçado. Ainda ouvimos eles advertirem: "a estrada está um sabão lá pra frente, viu?!". Retrucamos baixinho "Lá pra onde vocês vão também...", mas eles não deixavam de ter mais razão do que nós...

Ainda subindo, o Lulis não quis deixar barato a história de girar sobre os próprios calcanhares (os da bicicleta, no primeiro dia, lembra, aquilístico leitor?) e foi ao chão novamente. Dessa vez saiu bruscamente do alto da bicicleta para repousar as costas nas frias pedras da limeira. Nada de grave, só a certeza de que a camiseta nunca mais será a mesma...

Depois de uma descida descomunal (nem deu pra curtir - sabão, lembra?) e um trechinho plano, atravessamos a BR277 rumo à Morretes. Agora apenas alguns quilômetros nos separavam da estação de trem. Almoço básico (nada de barreado, barreados já estávamos nós!), vamos ao trem. Para nossa surpresa as passagens já tinham se esgotado, mas como o Du era velho conhecido por lá (estágio de turismólogo é assim), conversou com a tôrminha e conseguiu embarcar tudo (incluindo as bicicletas e os sujos). Cicloturismo desmontado no vagão de outrem!

Depois de presenciar alguns passageiros a duvidar do Mr. Heil ("será que esse aí vai junto mesmo?"), percebemos que havíamos maltratado ele até acabar. Não, não, calma, não acabamos com o bom velhinho - ele passa bem (se cozinha eu já não sei). Mas que ele tem participado das aventuras mais severas do grupo (vide rio natal), isso tem. E dessa vez acabou: acabou dormindo no trem (como nós), acabou exausto (como nós), mas principalmente: acabou a expedição conosco (como nós mesmos)! E que os fins sejam os começos!

Serviços #

Rio Canasviera (Mercearia / Camping) - Jânio (41) 9993-1264

Serra Verde Express. Turismo na Ferrovia Curitiba - Morretes - Paranaguá. Informações no site oficial.

Expediente #

Texto e vídeo por Du, retexto e fotos por Lulis, filmagens por Thiago e danças típicas por Mr. Heil.

Pedalado por du, lulis, thiago, heil.

Publicado em 31 jul 2009.